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domingo, 7 de agosto de 2011

De homem pra mulher




Escute: Te amo - Vanessa da Mata

O dia que eu tentei escrever na pele de um homem.

Quando eu a vi abrindo a boca em câmera lenta, deitada de frente pra mim, e fitando em transe a ponta do meu nariz como quem tenta lembrar a palavra certa, pensei que das duas uma: ou ela preparava aquelas unhas gigantescas de quem não lava louça pra incomodar os meus humildes cravos que não fazem mal a ninguém, ou dali sairia o único ‘te amo’ que eu levaria a sério em toda minha vida. Mas não, na verdade, eu me vi obrigado a unir todo meu conhecimento de leitura labial adquirida ao longo da vida tentando decifrar o que as mulheres dizem sem dizer, para aí sim, com muito esforço, entender aquele esboço de ‘eu te adoro’ que ela balbuciou. Então eu pensei: minha princesa, você anda freqüentando o orkut demais.


Já viu aquelas famosas comunidades de repreensão do tipo “eu te amo não é bom dia”? Pois é, naquele instante vi minha garota ali, sendo mais um dos não sei quantos mil membros inconformados com a banalização do amor. Mas não falei. Imaginei que você fosse se levantar toda nervosa olhando bem fundo nos meus olhos como nunca na vida, dizendo que mais uma vez eu duvidava da sua capacidade de pensar sozinha. E que, só pra constar, Orkut é coisa do passado, nem a minha mãe mexe mais nessa coisa. O que seria um absurdo dizer porque esses dias mesmo ela até aprendeu a mandar depoimento coloridinho. Mas, bem, isso não vem ao caso. Tudo que eu não quero agora é brigar.

Até porque eu sei que ela me ama, apesar do pouquíssimo tempo em que nos conhecemos. Isso fica claro no arco que suas sobrancelhas formam quando eu digo que tenho de ir ou em como ele se desfaz numa fração de segundo assim que digo que mais tarde vou voltar. O “eu te amo” dela é original e fica escrito nas sobrancelhas. Só não conto que isso é tão evidente olhando direto naqueles olhinhos aflitos de jabuticaba porque era bem capaz dela passar horas em frente ao espelho ensaiando um jeito de não parecer tão carente. Ah, como ela complica as coisas, meu Deus. Só assim pra eu aprender que gostar de alguém não é definido pelo tempo que se viveu junto ou pelos pensamentos parecidos. Não, a gente ama e só. Verbo intransitivo.

As palavras não exijo que ela me dê. Mas tenho medo de que essa natureza podada não nos faça bem. Casamentos podem sobreviver anos apenas com tolerância entre os cônjuges, mas um romance não, e, isso é tudo que quero com ela. Nada mais que trilhas sonoras, impulsos, barracos, chocolate no dia dos namorados e nos demais dias do ano também. Quero suas dietas de segunda à terça, seus interrogatórios quando receber um e-mail com aquelas verdades masculinas escritas pelo Arnaldo Jabor e por que não, quem sabe um dia, ouvir de sua boca um ‘eu te amo’. É pedir demais?

Aí ela me olha e me pergunta quantos meses ou encontros se deve ter pra dizer essa bendita frase e arriscar pra sempre sua reputação de mulher madura, uma vez que aprendeu que transformar seus confusos pensamentos nesse pequeno conjunto de fonemas descomplicados é necessariamente uma mentirinha de adolescente, julgada e vaiada pelos seus amiguinhos populares neo-orkutianos. Ou facebookianos, que seja.

Bem, devo lhe confessar que não sei responder. Nunca estudei as regras desse tal de amor, se é que elas existem. Não sei a que ponto um ser humano apaixonado pode se declarar sem ser pisado, qual o máximo de mensagens que posso deixar na sua caixa postal por dia ou se eu to confundindo tudo e realmente é muito cedo pra expor minhas fragilidades e fazer o mundo inteiro duvidar da minha masculinidade. Aliás, eu não sei nem quanto tempo ainda você vai ficar aqui aturando minhas tolices antiquadas e esperando que um anjo caia do céu pra anunciar que eu sou o cara certo. O que sei é que a gente se entrega e deixa que o amor por si só faça o resto, não? Confie e pule. A verdade é essencial, surpreender e ser surpreendido é motivador, arriscar é preciso.

E mais uma vez ela quer saber se o amor é pra sempre e a partir de quantos meses já pode ser taxado com esse nome. Eu já não me esforço em responder. Ela ta certa quando diz que “Eu te amo” não é “bom dia”. Mas que meu dia ficaria melhor se eu ouvisse de sua boca, isso ficaria. Essas ideias absurdas de expor o amor sem medo pra quem quiser ouvir só me vieram à cabeça porque estive uma hora a sentir o gosto da sua pele e pensei que entre nós não haveria preconceitos de língua, em nenhum dos sentidos. Queria que você tentasse, por mim, com todo o medo que pode ter.

Mas por enquanto, esquece isso, deixa pra lá. Eu tenho um plano pra me sentir feliz. Digo que vou indo e que mais tarde volto, só pro movimento rápido das suas sobrancelhas eu poder ver. É ali, naquele ligeiro e doce momento que ela me ama sem saber.


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