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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O pulso ainda pulsa




Tem dias que paro alguns minutos antes de render meu corpo cansado ao sono e ponho dois dedos, unidos, acima do meu peito  esquerdo, só pra conferir mais uma vez se o coração ainda pulsa. Nos tempos de hoje, paradas cardíacas no seu sentido mais poético e menos diagnosticável são cada vez mais recorrentes. Corações saudáveis têm freado por qualquer projeto que se vai ou por qualquer grande lembrança que fica. Por amores de rotina ou por qualquer um.


E é nesse pequeno instante da noite, de meditação independente sem técnicas prontas, que eu penso em como seria se cada um pudesse estar na presença de quem mudaria sua vida. Imagine você, na frente daquele qualquer um mais especial que já lhe apareceu. Deveria ser direito previsto por lei que relações de qualquer tipo nunca ficassem mal resolvidas. Eu por exemplo, cogito a possibilidade de me por diante das suas inconseqüências justificadas, sem máscaras, fragilizada, só pra você perceber que justificativa nenhuma cicatriza mais rápido a ferida. Só pra sentir de perto, ao menos uma vez, gotículas de compaixão saindo dos seus olhos frios.

Porque, enganam-se muitos, compaixão não é torpe. Ouso discordar do inatingível Nietzsche quando afirmo que ela não é feia, nem indigna. Compaixão chega até ser bonita quando o destinatário se acostuma com a interrupção brusca daquilo que um dia foi infinito. Pra mim, seria o único e último indício de que algo além de sangue passa pelo coração de quem fere por ou sem querer. A irmã gêmea bivitelina do arrependimento, causado por esse seu órgão imaturo que não sabe o que quer. Vive contraindo e dilatando, incessantemente, 70 vezes por minuto, como o jeito mais prático que achou de resolver se fica aberto ou fechado para as minhas investidas.

E olhando de perto, você veria em minha testa franzida um reflexo de tristeza, sua indecisão refletida no meu olhar pedinte. Ou então, tudo isso aliado a falta de paz debaixo dessa casca de mulher moderna e atarefada esperando novidade que a distraia. Veria que dói estar estilhaçada em mil pedacinhos sem chances de reconstrução, abdicando do que um dia pareceu poema de Drummond. Pois é assim, tête-à-tête que os sentimentos se resolvem. Com uma decepção de frente pra outra, sem muro que as tampe, sem esperança que me ampare e um desejo inútil de apagar o que passou escondido no bolso; fica bem mais fácil entender que não há lado menos doloroso. Machucar dói tanto quanto, ou até mais que ser machucado.

É só assim, degustando o choro em pratos limpos, que a gente se sente capaz de enfim dizer adeus ao que já se foi faz tempo. E sair por aí, em sábados vazios, borrando a maquiagem de cinco da manha, como alguém que volta de uma festa com as sandálias em dois dedos da mão e distintas bactérias nos dentes, recuperando, à maneira mais imprudente, a ilusão de um tempo perdido. A tentativa de reinício. Vamos lá, garota. Se deixe levar por experiências nem tão importantes assim. Só não se pegue dependendo de ilusões, esfarelando no tempo, desaparecendo de sua própria vida sem sinfonia fúnebre que dê toque de requinte, por favor.

Bem, acho que é essa a solução da vida. Ou talvez, dessa fase difícil. Dar-se uma chance. É bem possível que você encontre algo de bom. Eu, por exemplo, nesse exato momento preciso de pouco. Apenas de qualquer coisa com alma de adolescente que me devolva a vontade de escrever, qualquer novidade que me dê o mundo que meus sonhos me deram. Por toda a vida. Ou só por agora, enquanto ainda sinto o coração bater.

Pra que assim, quando a vida começar a ficar morna e você encasquetar de me querer novamente; eu, com toda minha alma ilusoriamente machucada, porém eternamente apaixonada, pedirei que pelo amor de Deus, me encante sem que eu perceba, me seduza sem que eu permita. Entre na minha vida pela porta dos fundos, sem bater, que é pra eu voltar a arriscar minhas sete vidas em qualquer coisa desconhecida. Que é pra eu me entregar de olhos fechados a qualquer rumo. Que é pra eu voltar a acreditar que o pulso ainda pulsa, mas não é por qualquer um.


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