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sábado, 19 de fevereiro de 2011

O bilhete



Com aquele português correto de quem não quer se revelar confuso,  lançou as seguintes palavras aparente e propositadamente secas: 

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Apesar de dizer que eu estou mudado com você, suas atitudes não mudaram em relação a mim; você continua doce. Desculpe perguntar desse jeito, mas você sabe né, gosto das coisas muito bem claras. Você pretende cultivar esses sentimentos ainda que os fins sejam improváveis
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Juro! Foi assim mesmo. Um bilhete estranhamente formal. Com ponto e vírgula e tudo mais.
A garota para quem mandava o bilhete, há dias se mostrava mais meiga que de costume resistindo bravamente à sua indiferença. 


Ele ainda não entendia o que se passava, mas toda aquela atenção fez brotar uma vontade súbita de saber mais, de entender a situação depois de tanto tempo. Normal. Homens só percebem que estão presos a alguém quando isso é comunicado a eles, diretamente, sem rodeios. Expliquei isso a um amigo, um dia desses. Ele me perguntou o que fazer pra demonstrar a uma mulher que sentia algo a mais. Respondi: Não precisa dizer nada. Na certa ela já percebeu. Mulheres são assim, captam o aroma de romance no ar, mesmo que ele não exista.

Bem, agora, o bilhete de resposta estava em suas mãos. E ele já sabia o que estava por vir. Há tempos coleciona promessas de ‘pra sempre’ que não se cumprem. Sabe que isso de correr atrás de quem se gosta saiu de moda faz tempo e que era óbvio que essa moça não tava tão empenhada assim em tê-lo. Com a certeza de que todas as garotas eram iguais, abriu o bilhete com os seguintes dizeres:

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Não vou mentir! Eu queria mesmo evitar maiores sentimentos e procurar alguém menos insensível pra amar, mas a verdade é que nenhum homem será o bastante para te varrer dos meus pensamentos. As vezes, até imagino o dia em que verei outra ocupando o meu lugar na sua vida. Lamento por mim, pela sua futura namorada e também por vc, porque ninguém nesse mundo será capaz de te ler como eu te leio; e nenhum amor será tão vivido em minúcias quanto o que eu pretendia te dar.

Não pense, por favor, que estou sendo doce na tentativa de te balançar. Eu sei que palavras podem acariciar pessoas, mas minha intenção não é essa. Queria fazer os caquinhos céticos do seu coração dançarem por conta própria e, se isso não é possível, não há como meu coração ficar mais apertado do que já ta. Vou continuar gostando de você. Muito. E chorar por vários dias. Mas depois, vou estar nas nuvens com qualquer bobagenzinha que você vier a falar e eu interpretar mal, me enchendo de esperanças. Sou uma boba! Não consigo botar os pés no chão.

Respondendo à sua pergunta, sei que estou me arriscando, mas de forma alguma vou planejar a morte dos meus sentimentos. Conheço exatamente o final dessa historia: trágico, pra mim, claro! Mas não vou abrir mão de você até que chegue o apocalipse.

Durma bemE não se preocupe em gostar de mim! 

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Ela se sentiu aliviada por se mostrar tão nua, ridiculamente intensa. 
Ele sentiu perfume, pureza e um beijo saindo do papel amarelo.
Ela dormiu e não esperou resposta. 
Ele, contraditoriamente ao que lhe foi ordenado no bilhete, se manteve acordado, tentando entender o que se passava entre os dois. 

Bem, na verdade, ele não entendeu. Mas agora, pelo menos consegue perceber que algo diferente se passa ali, onde não existem teorias de relacionamento, nem regras de português: dentro do seu próprio coração.

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Um comentário:

  1. Como pode tanto sentimento e uma linguagem tão direta???Seus textos são muito dinâmocos e gostosos de se ler.

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