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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O céu de Sabinópolis



O céu de Sabinópolis é lindo, especialmente à noite. Preto feito o fundo das panelas que vó usa lá na roça pra fazer cuscuz. Cheinho de queijo e rapadura. O cuscuz, não o céu.

Sabinópolis, pra quem não sabe, é uma cidadezinha escondida bem ali, protegida pelas montanhas ciumentas de Minas Gerais.  Alí moço, não ta vendo? Do lado de Guanhães, pertinho do Serro, viu? Viu não? Pois é. Sabinópolis . Tão pequena que termina na mesma rua que começa. Coisa que não acontece com o céu daqui. Este é redondamente vasto, inacreditavelmente infinito. Um só imenso céu pra pouco mais de 15.000 sortudos Sabinopolenses. Só os bobos cansados de histórias dormem quando a lua acorda.

Aquele pedacinho onde o sol se pôs há pouco tempo vira uma obra de arte, todo rajado de branco. Para os cientistas, a entrada para a Via Láctea, pra vó, onde ascendeu Maria; pra mim, um pouco dos dois com uma pitada de paz .

Tem também uma porção de estrelas que brincam de cair quando eu fecho os olhos. Algumas passam ligeiras e me deixam confusa, sem saber se foi mesmo uma estrela ou invenção das minhas vistas ansiosas. Outras rodeiam o céu e não caem, simplesmente somem, da forma mais bonita e preguiçosa que alguma coisa pode sumir nesse mundo. Dá até tempo de apontar, fazer um pedido e ainda se arrepender de ter apontado. Minha vó diz que apontar uma estrela cadente faz nascer verruga no dedo.  Causos de Minas.

Sabe... tenho a impressão de que as estrelas sempre sabem que eu to lá, umedecendo meus olhos com o sereno depois que o relógio da matriz avisa meia-noite. Sei disso porque elas costumam se juntar todo dia, no mesmo céu e prestarem atenção somente no que eu sussurro ao vento; tomando, claro, muito cuidado pra que ninguém desconfie da minha mania de conversar com pontos de luz do céu. Do céu de Sabinópolis. Preto feito a unha da gente depois que mexe na fornalha da casa de vó.

Então, elas trazem meus irmãos, que estavam dentro de casa, pra bem perto de mim. E por milagre de Deus ou vontade dos anjos, naquele instante, a gente quase não briga, não lamenta, não se preocupa. A gente só fica ali, ouvindo os grilos como nas músicas de Victor Chaves , tirando as mesmas conclusões de ontem e de anteontem. O Cruzeiro do Sul continua ali, com o lado esquerdo quase apagado e as Três Marias, a essa altura da noite, já se exibem por cima de nossas cabeças.

Quando ouço alguém me chamar. Alguém que não sabe que é inaceitável interromper quem, por alguns minutos, se esquece da vida. Alguém que já não acha mais graça em assistir o mesmo céu todas as noites e prefere dormir sob o mesmo teto branco de sempre. Contra resfriado, sonhos e histórias da roça. É aí que eu me despeço: estrelas, já vou indo.

E enquanto deito nas nuvens, peço pra que a mais brilhante da noite ilumine o meu bem. 

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2 comentários:

  1. Gosteeei demais do texto, do modo com que usa as palavras simples para expressar sentimentos complexos.

    Entra em contato? :D
    funnydiogaos@gmail.com

    Beijo, otimo dia!

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  2. Mais é aí que tá a beleza: na simplicidade!

    Brigada Di =)

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